Transfusões são vitais para crianças e adolescentes em tratamento contra o câncer

Transfusões são vitais para crianças e adolescentes em tratamento contra o câncer

27/06/2025 Off Por ASCOM

Biomédico da agência transfusional, Matheus Bernardes

Nos corredores silenciosos do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo (Hoiol), em Belém, onde a infância convive com seringas, medicações e diagnósticos complexos, a doação de sangue, além de ser um gesto de solidariedade e de cidadania, é um recurso terapêutico fundamental. Para as crianças  e adolescentes em tratamento contra o câncer, especialmente as diagnosticadas com leucemias, as transfusões são muitas vezes a única maneira de prosseguir com a quimioterapia e enfrentar os efeitos colaterais que ameaçam a própria sobrevivência.

Cerca de 300 transfusões são realizadas por mês na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon). A maioria é destinada a pacientes que enfrentam um dos efeitos mais cruéis da doença e do tratamento: a redução das células do sangue. Nesses casos, o corpo deixa de produzir adequadamente glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, ou seja, células essenciais para o transporte de oxigênio, defesa contra infecções e coagulação.

“Nas leucemias, há uma proliferação anormal de células malignas, os chamados blastos, que ocupam o espaço da medula e inibem a produção das células boas”, explicou a médica hematologista e responsável técnica pela Agência Transfusional da instituição, Iê Fernandez. “A quimioterapia entra em cena como um veneno para destruir essas células doentes, mas também atinge células saudáveis. O paciente tem uma redução ainda maior das células do sangue. Por isso, as transfusões são indispensáveis para que o tratamento continue.”

Cada doação pode gerar até quatro hemocomponentes distintos: concentrado de hemácias, plaquetas, plasma e crioprecipitado. Todos podem ser necessários em algum momento do tratamento. As transfusões mais comuns são de hemácias para combater a anemia e de plaquetas, essenciais em procedimentos cirúrgicos e no controle de hemorragias.

Mas manter os estoques está longe de ser simples. Apesar do sangue não ter substituto e não poder ser fabricado, a cultura da doação voluntária ainda não está enraizada na sociedade brasileira. “É mais fácil doar dinheiro do que sangue”, desabafa a hematologista. “Sangue não se compra, não está na prateleira. Ele depende exclusivamente da vontade da pessoa de fazer a doação”, enfatizou.

A ausência de doadores regulares cria um desafio logístico e emocional. Há, inclusive, crianças que, conscientes da urgência, recorrem às redes sociais para pedir ajuda. Com voz frágil, mas determinação rara, elas tocam onde nenhum argumento técnico alcança. “É comovente ver uma criança pedindo doações para sobreviver. Quando ela fala, é impossível não ouvir. É a vida dela em jogo”, afirmou Iê Fernandez.

A  necessidade de sensibilização é contínua. Estima-se que se apenas 3 a 5% da população doasse regularmente, não haveria escassez. No entanto, o índice brasileiro gira em torno de 1,8%. Outro ponto crucial, além da doação, é o uso racional do sangue. Conforme destaca a coordenadora da Agência Transfusional do Hoiol, os hemocomponentes só são utilizados em situações de real necessidade, após avaliação criteriosa. “Não basta ter sangue disponível, é preciso usá-lo com responsabilidade. É um recurso precioso demais para ser desperdiçado”, reforça a especialista.

A coleta no estado é centralizada na Fundação Hemopa (hemocentro do Pará), que adota protocolos rigorosos de triagem, controle de qualidade e segurança. No fim das contas, a equação é simples, mas carregada de impacto: uma doação pode salvar até quatro vidas. Para uma criança com câncer, isso pode significar a chance de brincar de novo, voltar à escola ou, simplesmente, continuar. Porque enquanto para muitos doar sangue é uma escolha; para elas, é sinônimo de esperança.

Entre as histórias mais emocionantes vivenciadas no hospital, há uma que permanece viva na lembrança do biomédico da agência transfusional, Matheus Bernardes. Um menino com um diagnóstico devastador: leucemia aguda. A doença avançava com rapidez, e o corpo da criança já não conseguia mais reagir sozinho. Ele precisava de transfusões urgentes, seguidas uma após a outra e constantes. Mas havia um obstáculo enorme, o tipo sanguíneo era O negativo, extremamente raro.

Segundo o biomédico, cada minuto contava. A escassez do hemocomponente colocou a equipe  diante de uma corrida contra o tempo. “Vivemos dias de aflição, buscando doadores, acionando bancos de sangue em outras regiões, enfrentando distâncias, burocracias e o medo de não conseguir a tempo. Mas conseguimos. Um por um, os hemocomponentes foram chegando. Cada bolsa era recebida com alívio, como se fosse uma carta de vida. E aquele menino, tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, foi resistindo. A cada transfusão, os olhos voltavam a brilhar. A cada gesto da equipe, ele nos mostrava que queria viver”, .

“E ele viveu, venceu a pior fase. Ver sua recuperação foi como presenciar um milagre construído a muitas mãos. Pela ciência, pela solidariedade e pela coragem silenciosa que só uma criança enfrentando a leucemia aguda consegue ter. Histórias como essa nos lembram que o sangue transfundido carrega mais do que células:  carrega esperança. E nos mostra, todos os dias, que doar sangue é doar a chance da vida continuar para alguém”, disse Matheus.

Wanna Celli, 35 anos,  mãe de Maria Beatriz, sabe bem a importância de cada bolsa captada

A funcionária pública Wanna Celli, 35 anos, sabe bem a importância de cada bolsa captada. Ela é mãe de Maria Beatriz, de apenas 1 ano e 1 mês. O bebê foi diagnosticado com Leucemia Mieloide Aguda (LMA) no último mês de maio. A descoberta ocorreu após exames de rotina. “O  hemograma detectou plaquetas baixas, anemia e hemoglobina em níveis preocupantes. Ela também apresentava manchas roxas pelo corpo e inchaço nos pés. O próprio laboratório nos ligou, demonstrando preocupação com o estado de saúde dela”, contou Wanna.

A partir daí, a família buscou atendimento imediato em um hospital privado, em Belém, onde Maria foi internada na Unidade de Terapia Intensiva por uma semana. “Foi lá que realizamos o mielograma e recebemos a confirmação do diagnóstico de LMA. Logo em seguida, fomos encaminhados para o Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, referência no tratamento do câncer infantojuvenil na região”, afirmou a mãe da criança.

A família, que é de Bragança, está na capital paraense desde o diagnóstico. O bebê já concluiu o primeiro ciclo de quimioterapia com duração de sete dias, e agora está em fase de recuperação. Desde a internação, Maria recebeu quatro transfusões de plaquetas e cerca de sete a oito bolsas de sangue. A necessidade constante de hemocomponentes mobilizou a família a iniciar a mobilização pela doação. “Começamos as campanhas imediatamente e recebemos apoio massivo da população bragantina. Pessoas que nem conhecíamos fizeram questão de doar e enviar os comprovantes. Amigos, familiares e até desconhecidos se uniram por ela”, disse Wanna.

Luana fez questão de reforçar a importância do gesto. “Aqui no hospital, lutamos pela nossa filha, mas também por outras crianças. Conheci muitas outras Marias e outras Anas aqui. Sempre peço que doem não só pela Maria, mas por todas. É um gesto de amor, de solidariedade. É simples e salva vidas”, concluiu.

Serviço: Quem quiser doar sangue para os pacientes do Hoiol, basta  comparecer a qualquer unidade de coleta do Hemopa e informar o código: 1766. A doação de sangue é um processo rápido e seguro. Para doar, é necessário ter entre 16 e 69 anos, pesar mais de 50 kg, estar em boas condições de saúde e bem alimentado. É obrigatório apresentar um documento oficial com foto e, no caso de menores de 18 anos, é preciso estar acompanhado por um responsável legal. Mais informações podem ser obtidas nas unidades de atendimento do Hemopa ou nos canais oficiais da Fundação.

Credenciado como Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), o Hoiol é referência na região amazônica no diagnóstico e tratamento especializado do câncer infantojuvenil, na faixa etária entre 0 e 19 anos. Atualmente a unidade atende mais de 900 pacientes oriundos dos 144 municípios paraenses e estados vizinhos.

Texto: Leila Cruz/Hoiol

Fotos: Divulgação