Governo do Pará reestrutura programa ‘Casulo’ e atende 300 pessoas trans

Governo do Pará reestrutura programa ‘Casulo’ e atende 300 pessoas trans

31/03/2023 Off Por Roberta Vilanova

O ambulatório funciona dentro da Policlínica Metropolitana, em Belém

Criado pelo Governo do Pará em maio de 2022, o projeto Casulo significa a reestruturação do fluxo ambulatorial e hospitalar para atendimento de pessoas transgênero, sendo vinculado à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) e funcionando na Policlínica Metropolitana, em Belém. Atualmente, 300 pacientes estão em atendimento ativo, tendo acesso a todas as especialidades ofertadas pelo complexo médico, além de todos os procedimentos e assistências previstas no processo transexualizador de acordo com a portaria nº 457, de 19 de agosto de 2008, do Ministério da Saúde. Na prática, o Estado garante acolhimento e atendimento digno de saúde para pessoas trans, que historicamente vivem em situação de vulnerabilidade.

Até o ano passado, o atendimento referenciado era ofertado pela Unidade Regional Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias Especiais (URE-Dipe), mas com a revisão dessa política pública passou a ser realizado na Poli Metropolitana de maio em diante. O serviço não é portas abertas, portanto o paciente precisa primeiramente buscar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para ser encaminhado ao Casulo.

O Projeto Casulo assegura todos os procedimentos e assistências previstas no processo transexualizador

Após o atendimento na Poli, os pacientes que desejarem realizar os procedimentos cirúrgicos devem ser encaminhados ao Hospital Jean Bitar. Para homens trans a unidade está habilitada a realizar mastectomia masculinizante (retirada da glândula mamária e o reposicionamento da aréola), pan histerectomia (retirada do útero e ovários) e para mulheres trans a cirurgia de implantes mamários de silicone.

Foi na UBS do Satélite que Arjuna Miranda, de 19 anos, descobriu que o governo possuía o projeto. “Fiz uma consulta com uma médica e uma psicóloga para tratar da questão trans e elas tinham passado por um curso, um treinamento sobre o projeto e me encaminharam, disseram que eu seria logo atendido aqui na Policlínica. Deram entrada na documentação e foi rápido, me chamaram em uma semana. Passei um mês fazendo check-up e iniciei o processo de transição. O atendimento aqui faz toda a diferença, é muito acolhedor, usam nosso nome social, estão preparados para nos receber sem nenhuma ignorância”, relata a jovem.

Thalita Fernandes, assistente social

Thalita Fernandes trabalha no projeto Casulo como assistente social e recebe os pacientes desde a primeira visita, e acompanha todo o desenrolar do processo de cada um deles. “Chegam cheios de expectativa com o processo e encontram facilidade frente ao que desejam, que é a cirurgia, o tratamento hormonal com acompanhamento médico. As pessoas se surpreendem com o que encontram, fazemos o acolhimento, a escuta, anamnese social”, detalha a profissional.

O médico endocrinologista, Edvaldo Souza, conta que os perfis são diferentes, mas que é mais comum encontrar mulheres trans que fizeram algum uso de hormônio sem acompanhamento médico do que homens trans – vide a facilidade maior de acesso ao anticoncepcional do que ao anabolizante.

“Diria que 90% das mulheres trans que recebemos tem uso prévio e só 20% dos homens trans fizeram. Acredito que tenha a ver com o uso do hormônio masculino gerar um maior receio, já que muito se fala dos riscos do anabolizante. Mas depois que chegam e entendem que a questão é médica, fazem menos por conta própria. Uma das coisas que a gente tenta explicar é que vamos atrás de algo que é fisiológico, é preciso compreender que uma adolescente, por exemplo, desenvolve mama com oito anos, vai formar com 12, 13 e ainda tem desenvolvimento posterior, então não dá para, em um processo guiado pela saúde, desenvolver mamas em três meses. Vamos fazendo, paralalemante, o controle de possíveis comorbidades, usando as opções mais naturais possíveis no sentido de melhorar as condições de vida dos pacientes”, explana.

Josh Lobato, 28 anos

Josh Lobato, de 28 anos, começou a ser atendido pelo Casulo no fim de 2022, logo que soube da reestruturação desse fluxo ambulatorial. “Cheguei a ir na URE-Dipe mas não fazia o acompanhamento corretamente. Aqui é bem melhor, recebo acompanhamento com psicólogo, endócrino, faço exames para ver como está o organismo. Vejo muita melhora no acolhimento, a gente aqui é recebido com igualdade, com respeito em todos os ambientes do hospital. Essa é uma questão social importante e pela qual a gente luta há bastante tempo, um atendimento sério. Aqui é um excelente exemplo de acolhimento”, garante o paciente.

A psicóloga Yolanda de Souza também faz parte da equipe médica que recebe o público do projeto Casulo. “Aqui chegam bem certos do que querem, que é fazer o processo transsexualizador, e auxiliamos com escuta, acolhimento, sem questionamentos sobre a sexualidade e trabalhando demandas do processo: transfobias, disforias de gênero, com o corpo, com o que pensam, é um espaço aberto para eles serem ouvidos”, afirma.

Carla Figueiredo, diretora técnica da Sespa

A diretora técnica da Sespa que esteve à frente da reestruturação do atendimento, Carla Figueiredo, avalia que hoje o serviço é mais completo e robusto. “A primeira medida foi tirar essa referência da URE-Dipe porque não existe relação direta entre o processo transsexualiador com doenças infecciosas, essa foi a primeira mudança. Creio que o maior diferencial é a questão educacional. São realizados treinamentos com todos os envolvidos na Sespa, na Poli, no Jean Bitar com atores do Direito, da Saúde, hoje a Escola Técnica do SUS “Dr. Manuel Ayres”, da Sespa, tem curso com advogado trans e pedagoga trans dando aula, uma  equipe que atende desde os servidores da portaria aos médicos”, revela a gestora pública.

Camylla Rocha, diretora técnica da Policlínica

Camylla Rocha, diretora técnica da Policlínica, também reforça que o acolhimento e o respeito são marcas desse novo momento do projeto Casulo. “Os pacientes trans reclamam de maus tratos nos serviços de um modo geral, então isso é ponto inicial nos nossos trabalhos. É uma população que traz sofrimentos físicos muitas vezes ocasionados por histórico crônico de sofrimento psíquico, outro ponto que a equipe médica lida com frequência”, aponta.

Movimentos sociais participaram de toda essa reestruturação e trouxeram demandas, escolheram até o nome do projeto. “A sala de espera individualizada, por exemplo, foi um pedido desses grupos que participaram desse trabalho a todo momento, a gente queria que fosse tudo conversado com quem vive essa realidade”, expõe.

Anderson Albuquerque, diretor executivo da Poli Metropolitana

Anderson Albuquerque, diretor executivo da Poli Metropolitana, conta que um dos pedidos dos movimentos sociais foi a criação de duas vagas afirmativas para pessoas trans. “A gente quer inclusive aumentar, ter mais vagas afirmativas até porque é um público que vem crescendo cada dia mais, queremos mais estreitamento com as UBS, para que as pessoas trans recebam um atendimento adequado, de qualidade e com todo o respeito e acolhimento”, finaliza.

Texto: Carolina Menezes/Secom

Fotos: Alex Ribeiro/Ag. Pará